
( cantinhodaprodenise )
Gente. Considero isso uma relíquia particular. Sei lá qual idade, 12.,13 anos. Mexendo em velhas coisas minhas encontrei uma música que fiz com um amiguinho que se chamava Francisco, apelido Quita. Hoje nos EUA. Tocava violão muito bem, ganhou o seu desde novinho e aprendeu em escola de música. Era inclusive priminho de um cantor famoso da época. Só não vou citar o nome do cantor porque vocês sabem que é complicado citar nome de artista. Ele nem falava isso com muita gente. “Ninguém vai acreditar mesmo”, dizia. Nos anos 70 havia muitas baladas românticas, como os Fevers. Quando digo que era aluno mediano, sou cruel comigo mesmo. Só não gostava muito de estudar em casa e fazer deveres. Compensava ao ser muito atuante nas aulas, interativo, principalmente no tocante à arte e esportes. Eu fazia de tudo. Só não aprendi a desenhar, isso não teve jeito. Só fazia uma casinha com chaminé, algumas nuvenzinhas, um solzinho no meio das montanhas, uma vaquinha pastando. De tanto a professora dizer que eu estava sendo repetitivo, um dia fiz o mesmo desenho, com duas vaquinhas. Ela riu. “Mas você é esperto, hein? Vou dar um 8 pela criatividade”. Criativo eu era mesmo. Um dia conto como me livrei de tirar um zero, graças à minha criatividade. Adorava gincanas. Fazia fantoches, marionetes. Ia para trás do teatrinho e dava vozes aos bonecos. Até representava no palco. Fazia paródias. Inventava novas versões para estorinhas infantis. Amava sair pedindo doações nas ruas para semana da primavera. Gostava muito de trabalhos de grupo, até porque eu nunca tinha o material escolar completo mesmo. Certa vez me meti a participar das olimpíadas estudantis. Tentei maratona e corrida com barreiras. Foi um fiasco, mas praticar eu pratiquei. Uma vez, na semana dos professores fiz um texto combinando nomes das professoras com as matérias, com suas características, manias, jeito de andar, tudo rimadinho, foi maior sucesso. Elas adoraram e riram demais porque ficou muito engraçado. Gostaria de ter esse texto ainda. Eu e Quita resolvemos compor uma música que vocês verão abaixo. Tentei escanear, mas o papel estava tão velho, amarelado que desfragmentou na minha mão. Mal consegui ler minha letrinha tortinha e feinha. Alguns trechos e rimas foi fácil lembrar, pela simplicidade da letra. Agora, eu pergunto. Quem era eu, aos 13 anos de idade para falar de amor? Talvez influenciados pelas músicas melosas da época, mas ainda acho certo disparate, de tão novo que era. Será que eu me achava um rapazinho? De certa forma sim. Quita então não andava sem o violão. Escrevemos juntos, mas foi ele sozinho quem musicou a letra. Na semana das crianças não tínhamos nada de novo, era preciso algo diferente dos teatrinhos de sempre, das gincanas, das queimadas meninas contra meninos. Tinha que ter algo mais. Cada sala apresentava algo. A ideia foi dele. “A gente canta no fim da festa no último dia e a gente aproveita e canta nossa música. Nossa música vai ser a última”. Tremi. “Ah, não. Cantar no microfone não. Não dá pra mim. Tenho vergonha. Eu canto no meio de nós brincando”. Ele já meio experiente, disse. “É a mesma coisa. Você é até afinado. Só precisa cuidar para não soprar no microfone. Esperar o tempo da música, não atravessar. E mais, você vai estar me acompanhando somente. Tudo é festa, ninguém vai notar nada”. Cismado, pensei demais, uns dois dias. Acabei topando como sempre. Ensaiamos muito. Foi muito legal. Pátio cheio, a gente lá em cima. Lembro até hoje, Quita afinando violão Di Giorgio. Eu nervoso, ia ao banheiro fazer xixi de meia em meia hora, chegava lá e não saía nada. Cantamos, claro, ele mais que eu, umas três ou quatro dos Fevers, uma do Roberto Carlos, duas do primo dele, além de “Eu só quero um xodó”, “Severina xique xique”, “Alegria, alegria”, do Caetano. Em “Preta Pretinha”, arrasamos, porque até as professoras no meio dos alunos lá embaixo, cantaram. Mas arrasar mesmo foi na nossa música. Reparem como eu falo na letra que sou um adulto. Estranho, hoje vivo dizendo que sou menino. Não sou Charles Darwin, mas também tenho meu elo perdido entre tudo que já fui e fiz e tudo que sou hoje. Estive perto de muitas coisas e estive longe de muitas coisas. Nessa diversidade de sentimen tos e momentos, entre o quase tudo e o quase nada, algo não encaixou... e eu não sei o que é. Eis a letra. Não esperem, por favor, algo ao nível de Vinícius . Eu era criança, né?
QUANDO EU ERA CRIANÇA
VIVIA A NAMORAR
AGORA QUE JÁ SOU VELHO
NINGUÉM QUER MAIS ME AMAR.
CONHECI UMA MENINA NA JANELA,
COMECEI A GOSTAR DELA.
ELAGOSTOU DE MIM E O AMOR SE TRANFORMOU.
DIZEM QUE NA VIDA TUDO PASSA
EU SEI QUE O AMOR ACABOU
HOJE EU ACHO GRAÇA
PORQUE A LEMBRANÇA NÃO PASSOU.
ELA FOI COMO PASSARINHO
QUE VISITOU O MEU JARDIM
DOS MEUS BEIJOS ELA PROVOU
DIZENDO QUE GOSTAVA DE MIM
MAS PRA LONGE ELA VOOU
E A PRIMAVERA TEVE FIM.
REFRÃO...
VOLTA PASSARINHO VOLTA
O JARDIM ESTÁ DESERTO
MAS A FELICIDADE ESTÁ PERTO
NÃO ABANDONE O SEU JARDIM
VOLTA UM DIA, VOLTA,
PRA DIZER QUE GOSTA DE MIM