ESCREVER É DIVINO!

ESCREVER É DIVINO!
BONS TEMPOS EM QUE A GENTE PODIA VOAR. ERA MUITO BOM SER PASSARINHO.

CAMINHOS DE UM POETA

CAMINHOS DE UM POETA
Como é bom, rejuvenescedor e incentivador para o poeta, poder olhar para trás e ver toda a sua caminhada literária, lembrar das dificuldades, dos incentivos e da falta deles, da solidão de ser poeta e do diferencial que é ser poeta. Olhar para trás e ver tudo que semeou, ver uma estrada florida de poesias, e dizer: VALEU A PENA! O poeta vai vivendo, ponteando, oscilando, e nem se dá conta da bela estrada que escreveu. Talvez ele não tenha tempo porque o horizonte o chama, e o seu norte é... escrever... escrever... escrever. Olho hoje para trás... não foi fácil, mas também ninguém disse que seria. E eu sabia que não seria, ser poeta não é fácil, embora seja lindo. Contemplo a estrada que eu fiz, e digo com orgulho quase narcisista: Puxa... como é linda minha estrada!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O JOGO DA VIDA





Eu tinha 12 anos, 6ª série. Havia uma certa rivalidade entre dois colégios. O colégio dos menos favorecidos, vamos assim dizer, e o colégio dos de mais sorte. Nosso professor de educação física era Sargento Verçosa, aposentado da polícia, durão, mas a meninada gostava dele. Um certo dia, chamou a garotada no centro do gramado e disse: “Meu amigo, professor do colégio São Francisco, está desafiando para um jogo daqui a trinta dias. Vai valer troféu. Vocês estão afim?”. Todos gritaram em coro. “ Estamooos”. E ele prosseguiu, de pé, no círculo de meninos sentados. “Mas ele mandou um recado para vocês. Mandou dizer que aqui só tem mariquinhas.Vocês são homens ou mariquinhas?” Todos de novo. “Homeeens!”. E ele depois de dizer outras coisas de incentivo encerrou: “Então cuidem-se, pra gente acabar com aquele timeco deles”. E nos liberou.
Só se falava no tal jogo. Enfim chegou o grande dia. O estádio não tinha arquibancada, só alambrado separava as torcidas dos “ craques”. As torcidas, formadas na maioria pelas meninas dos colégios, alguns pais e mães, faziam barulho, disputando quem gritava mais. De vez em quando a gente ouvia algo tipo. “Nossa, cada gatinho”. Aí que a gente fazia mais pose ainda. Não me lembro de todos os nomes, mas alguns marcaram aquele dia. Eu, na ponta esquerda. Não era um grande jogador, mas, corria muito. Nas aulas, enquanto os outros davam oito ou nove voltas em torno do gramado, eu dava doze. Serginho, nosso goleiro. Cláudio, grandalhão, repetente da escola. Gostava de dar cascudos nos coleguinhas. Menos em mim, deve ser porque eu lhe dava umas dicas de aula, talvez até mesmo para não ser importunado por ele. Mas sentia que ele gostava de mim. E os dois irmãos, João Luís e Zé Roberto. João Luís, era mais forte, loiro, cabelos abaixo dos ombros. Zé Roberto, era magro, loiro também, cabelos cobrindo os olhos, nariz comprido, fino, queixo quadrado. Era o rebelde da turma, dava muito trabalho às professoras. Os dois jogavam muito bem, mas o Zé jogava mais. Só que eram da mesma posição. O treinador optou por escalar o João, talvez pela rebeldia do Zé.
Enfim o jogo. Não começamos muito bem, parecíamos nervosos, nada dava certo.Terminamos primeiro tempo perdendo por 1x0. Levamos maior bronca no vestiário
Começa segundo tempo. Não demoramos muito a empatar. Num escanteio cobrado da direita,Cláudio, o grandalhão fez de cabeça. Alívio e alegria. Mas o time deles era superior. Saíam com a bola na maior tranqüilidade. Era clara a superioridade deles, mas tinham até quadra poliesportiva, enquanto nós, só tínhamos aula num campo de futebol amador. Mais ou menos com uns vinte e cinco minutos de jogo, eles desempataram numa falha incrível de nosso goleiro. Pensei. “Vamos tomar goleada”. João Luís estava muito bem, mas não dava sorte. Bateu uma bola na trave e o goleiro deles estava seguro. Mas num dado momento, João entrou fulminante na área, driblou dois e foi derrubado. Pênalti! Mas perdemos nosso melhor jogador, João saiu com a canela completamente inchada. Até pensamos que tinha quebrado, mas felizmente não. Entrou Zé Roberto. Cláudio pegou a bola, mas pedi a ele para eu cobrar. Quando ajeitava ele me disse no ouvido. “Fecha os olhos e chuta forte. É nossa chance de empatar. Se você errar, vou te matar!”. Acho que essas palavras ao invés de incentivar, me perturbaram, desconcentraram. Pois chutei para fora. Foi um baque, fiquei desolado. Lá atrás, Serginho se virava como podia. O técnico me vendo abatido, me chamou à beira do gramado.Me disse pra não desanimar que jogo é assim mesmo. Mandou que eu jogasse mais à esquerda pois estava muito embolado e que o lateral delesera mole, pra jogar em cima dele”. Ele acertou. Joguei sempre no fundo, bem aberto e enfim consegui ganhar na corrida dele e cruzei a bola alta. Me lembro da bola vermelha e branca viajando, até cair certinha para Zé Roberto, que com maestria, dominou no peito, deixou ela rolar pelo corpo e cair aos seus pés. Tomou distância de um passo e quando todos pensavam que ia dar um chutão, bateu por cima de todos. O goleiro ainda resvalou os dedos, mas não evitou. Alegria geral, gritamos muito. Nossa torcida que estava calada agitou de novo. Mas não estava fácil. Chutaram bola na nossa trave, Serginho ainda fez uma defesa incrível. “Faltam 10 minutos. Vamos ganhar desses caras.”. Gritou nosso treinador.
Aí veio a euforia total. Faltando cinco minutos apenas, uma falta para nós, na risca da área, em Zé Roberto, que não deixavam parar em pé. Ele até quis brigar. O treinador gritou. “Deixa o Carlos bater.”. Eu tinha chute forte porque brincava com bolas adultas e quando lidava com bolas infanto-juvenis levava vantagem. E acho que ele também estava me dando uma chance de me recuperar do pênalti perdido. Tomei distância kilométrica. Fechei os olhos e pensei. “Tem que ser agora”. Soou o apito. Corri e chutei forte. Vi a bola entrando, mas o danado do goleiro tirou com a mão esquerda. Porém, não foi muito feliz. A bola parou logo no pé de quem? Zé Roberto, que de primeira a devolveu. Ela deu umas três quicadas e foi morrer mansinha no canto direito. Gooool! A virada. 3x 2 para nós. Loucura! Êxtase! Gritaria! Foram os três minutos mais longos de nossas vidas. Mas acabou. Corremos para cima do técnico que rolava no chão, sufocando-o. Ainda me lembro do goleiro deles chorando, mas pensei. “Paciência, jogo é jogo”. Outras cenas me marcaram.
Zé Roberto, herói do jogo, carregado nas costas. Cláudio, o capitão, recebendo o troféu. João Luís nem ligava pra canela enfaixada, só pulava. E o técnico nos pagando caixas e mais caixas de picolé e refrigerante.
Muito anos depois, num de meus passeios a Ipatinga, já quase pegando estrada de volta, parei num bar para comprar uma balas. Mania de motorista. Andando perto do ponto de ônibus, um rapaz sentado de cabeça baixa, pediu: “Ô amigo, me dá um cigarro”. Respondi quase parando. “Não fumo, companheiro”. Ele insistiu. “Mas você está indo para o bar, pode comprar”. Hesitei, mas acabei pensando. “Cigarro não é presente que se dê a alguém, mas é o vício dele, fazer o quê? ”. E disse. “Pode vir que eu pago”. Ele me seguiu. Depois de pegar minhas balas, autorizei ao dono lhe ceder um cigarro e quando me virei, com quem me deparei? Zé Roberto. Mesmo cabelo fininho cobrindo os olhos, só mais ralo, mal vestido e umas falhas de dente. Ele me olhou, olhou... e disse. “Eu acho que te conheço. Só não sei o nome”. Falei. “Sou eu mesmo, Zé Roberto... o Carlos. Do CENEC. Como vai seu irmão?”. Cabisbaixo, me respondeu. “Meu irmão morreu faz dois anos. Acidente de moto. A gente já não se falava mais”. “Que chato!”, lamentei. “E você o que anda arrumando?”.
“Eu? Eu estou assim do jeito que está me vendo. Bêbado, f..., drogado. Só durmo se tomar um monte de porcarias. Meu irmão morreu sem falar comigo. Meu pai não fala comigo. Minha irmã só fala o necessário. Só minha mãe fala, porque é mãe”. Me chocou muito ouvir aquilo e respondi. “Você precisa de tratar, se internar numa clínica. Procura alguma
instituição, uma igreja sei lá. Você tem um ponto a seu favor, reconhece que precisa de tratamento, isso é um passo.Você é novo ainda.Pense nisso”. “Vou pensar”. Mas não senti muita firmeza nas palavras dele. Despedi-me. “Zé Roberto. Já é noite, preciso ir. Até um dia”. “Valeu pelo cigarro”, com um sinal de OK.
Quando estava me preparando para entrar no carro, do outro lado da rua, ele gritou. “Ei,Carlos. Você se lembra daquele jogo?”. Eu ri surpreso. “Claro que sim. Foi demais, hein?”. “Demais? Acabamos com aqueles metidos”. Minimizei. “Ah, foi apenas um jogo de futebol”. Ele discordou. “Que nada. Foi a vitória da humildade contra a arrogância. E de virada, hein?”. Aproveitei para cutucá-lo. “De vez em quando a gente precisa dar uma virada na vida Zé”. Se percebeu a cutucada, disfarçou emendando. “E você ainda perdeu um pênalti. Mas foi você quem me ajudou a fazer meus dois gols”. Pensei comigo. “Gostaria muito de poder ajudá-lo a fazer outro gol... mas no jogo da vida”.
Dei um último tiau e entrei no carro meio frustrado de encontrar um ex-amiguinho daquela forma, sentindo-me impotente diante da situação.
Nunca mais o vi. Espero que tenha dado mais uma virada em sua vida.

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