
Acho que fui o único menino de meu tempo a nunca matar um passarinho. Muito me incomodava ver alguns coleguinhas com estilingue nas mãos, parecia um esporte matar passarinho, não havia lei dura que protege os animais como hoje, tampouco havia consciência, lembro-me que eu, inutilmente os repreendia. Lá em Ipatinga, a Kombi passava pegando a nós funcionários nos pontos. Eu sempre sentava no meio-fio, e um dia vi um passarinho colorido agonizando no cantinho, possivelmente comeu algum resto de chiclete que as pessoas jogam, ou comeu algum inseto venenoso. Enquanto o carro não chegava, peguei, fui até o posto de gasolina, molhei a cabecinha dele, dei água para ele beber também. O carro chegou, fui entrando com ele na mão, e vieram as perguntas: “Que passarinho é esse na mão, Carlos?”. Respondi: “Tava caído no chão, não sei se comeu algo ou bateu em alguma vidraça. Vou levar pro aeroporto, vou tentar salvar a vidinha dele”. O motorista já não gostou: “Vai fazer porcariada dentro do carro”. Falei: “Vai não, vou por enrolado no jornal. Se fizer, eu limpo”. Chegando lá, ajeitei uma caixa para ele, tampada mas com furos, para que não saísse voando tonto, forrei com o jornal, e sempre que podia, nos intervalos ia vê-lo, dava mais água, molhava a cabeça dele, fiz beber inclusive leite. Até um pouco de fubá peguei na cantina para ele. E não é que lá pelo meio da tarde, o danadinho não ficou bom mesmo? Fiquei todo feliz, cheguei com ele na mão, dizendo: “Olha, Fátima. Ele ficou bom”. Ela ficou feliz também: “Puxa, que legal, Carlos! Esse merecia ser seu, foi você que salvou a vida dele. Se ele pudesse falar, ia lhe agradecer”. Respondi: “Ele já está agradecendo, tenho certeza”. Ela perguntou: “E agora, o que vai fazer?”. Respondi afagando o bichinho: “Agora vou curtir ele um pouquinho... mas depois vou soltar. Bem que eu gostaria que ele ficasse comigo, mas ele tem asas é para voar. Seria um egoísmo meu prender. Salvar a vida dele não me dá o direito de prendê-lo”. E ela: “Show! Assim que se fala!”. Fui até a porta, minutos depois, falei no ‘ouvidinho’ dele: “Vai, coleguinha. Você nasceu para voar. Tome mais cuidado da próxima vez. Se der, apareça”. E soltei... e ele sumiu rápido no céu. No dia seguinte eu estava lá de novo no ponto, e tinha um passarinho idêntico a ele no fio do poste. Muita pretensão dizer que era o mesmo, seria uma coincidência divina demais, mas que eu fiquei pensando, fiquei: “Será que é o mesmo? Será que veio me ver, como pedi?”. Nunca vou saber... mas Deus sabe!
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( imagem ultrad.com.br )