ESCREVER É DIVINO!
CAMINHOS DE UM POETA
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
UM DIA DE ELVIS
Marcelo, desde que éramos crianças gostava muito de me desafiar. Ou era nas bolinhas de gude, ou no futebol, ou pra saber qual pipa ia mais alto. A minha perdia porque eu ficava mais maravilhado de vê-la no alto pra lá e pra cá enfeitando o céu, do que propriamente sumir nele. Assim como meus sonhos que gosto de ver no alto, mas controlados, sem perder de vista. Nada é mais belo que uma pipa no ar e os olhos de um menino brilhando. E o coração de um homem batendo.
Os desafios de Marcelo continuaram na adolescência e juventude. Era bom amigo. Ele mesmo se autodesafiava sempre. Porém um dia houve algo meio inusitado. Eu o aguardava terminar de se arrumar, vendo tv sentado no sofá de sua sala. De repente na reportagem mostraram cenas de Elvis Presley dançando eletricamente e eu comentei: “Como esse Elvis dançava! Dá vontade de dançar também. Não dá pra ver o Elvis dançar e ficar parado”. E ele riu: “Agora vai me dizer que dança igual ao Elvis”. “Claro que danço. Por que não? E bem”. Respondeu, aí sim , com gargalhada. “Ai, ai, eu ganho pouco, mas me divirto. Não me faça rir. Então se prepara que dia 30 vai ter o baile dos anos 60, quer apostar como você não dança?” Respondi : “Apostar não porque não gosto de apostas. Costuma a gente ganhar a aposta e perder o amigo”. “Sem problema”, disse ele. “Não é aposta. Se você imitar o Elvis eu te pago dez cervejas. Se não imitar, te zoar já vai ser bom demais. Agora vamos embora”.
Chegou enfim o dia. O clube se chamava Olímpico. Havia um outro, mas não gostávamos, tinha muito playboyzinho e as meninas do Olímpico eram mais divertidas. Ficava a uns 08 kilômetros do nosso bairro, mas fomos a pé, nada de carona ou ônibus. Aliás, fui eu que inventei isso. Falava para a turma que a pé era mais divertido”. Quando íamos de ônibus também era bom porque eu ia cantando na última cadeira do ônibus. O motorista que quase sempre era o mesmo, reclamava quando eu não ia. “O cantor não veio hoje?”. Todo mundo caracterizado, meninas de saias rodadas, rapazes com brilhantina no cabelo, olhares James Dean. Até eu que gostava de ser do contra. Já que ia imitar o rei do rock, precisei colocar uma calça branca mais justa, uma camisa também branca de gola levantada. Menos o cabelo, esse estava cuidadosamente enrolado. Eu passava uma hora ajeitando. O baile estava super legal. Os rock’s alegres dos anos 60. La Bamba, Bill Halley e seus Cometas. Beatles. Depois passaram pras baladas românticas dos 70. Como não dançar Do You wanna dance? Ou Massachussets, do Bee Gees. Ou San Francisco, de Scott Mackenzie, quase um bolero. Não vivi a época, mas cresci ouvindo. Eu gostava de dançar com a Rita, uma amiga negra muito divertida, que dançava muito bem e me ensinava passos novos. Vivia com a mão no meu ombro ou com o braço laçando minha cintura, como se fosse uma namorada. Eu brincava. “Tem um monte de gatinha olhando para mim, querendo se aproximar e você atrapalhando. Se quer namorar comigo fala logo”. Ela respondia. “Sabe o que acho bom em você, Carlos? É a sua modéstia”. A gente se gostava muito. Quando passou Jet'aime , uma música francesa de 1972, romântica, quase pornográfica, Verinha veio saltitante para meu lado; “Ah, Carlos. Dança essa comigo?”. Eu respondi na maior cara safada. “Verinha, não me leve a mal. Mas essa eu gostaria de dançar com uma estranha”. “Por quê estranha?”. Falei maliciosamente. “Porque é uma música pra dançar assim...”, fiz o gesto com as mãos, “ sarrando, esfregando, passando a mão”. Ela me deu um soco de mosquito no peito. “Ah, seu safado!”. E saiu. Mas foi só brincadeira. Sempre respeitei muito minhas amigas. Sempre me dei muito bem com as mulheres. Seja mãe, irmãs, amigas, sobrinhas. Gosto muito das mulheres. Quando tinha meus problemas era com elas, em qualquer época, com quem eu mais falava. Tive poucos amigos homens bons para isso. Mas eu era meio protetor delas também. Eu dava o carinho na medida exata de minha carência. De vez em quando, porque era tarde, acompanhava uma até em casa. Depois voltava sozinho. Os outros rapazes já tinham ido. Andava por ruas escuras por cinquenta minutos até meu bairro e de madrugada. Eu acreditava que jamais uma coisa ruim pudesse me acontecer. E continuo acreditando. Uma vez Martinha disse: “Você não existe”. O engraçado é que elas ficavam torcendo pra eu não arranjar namorada, porque não queriam me “perder”, expressão delas. Eu falava: “Vocês são mui amigas. Preciso de uma namorada”. Uma falou brincando: “Eu posso namorar com você, aí você fica no meio da gente. E eu sempre com piadinhas disse: “E você acha que eu ia ficar com você no meio desse bolo de gente? Ia levar pros escurinhos, escondidinho”. “Credo, Carlos. Você só pensa naquilo”. Arrependido e com pena da Verinha, procurei-a para dançar. Ela não quis. “Eu não. Você disse que vai fazer aquilo”. Coloquei a mão na cabeça. “Ai, meu Deus do céu. Era brincadeira. Vem, vamos dançar”. Ela que era muito bobinha e tímida virou o rosto. “Quero mais não”. Era a pureza da turma. Concordei enfim. “Mas não está com raiva, né?”. Ela riu: “Claro que não, bobão”.
Chegou a hora do Elvis. Comecei a dançar. Deve ter sido uns quinze minutos sem parar, sempre de olhos fechados. Só ouvia vozes, uns gritando, outros rindo. Num certo momento, abri os olhos, e o que vi? Um círculo enorme de pessoas à minha volta, eu sozinho no centro do salão, requebrando meus quadris magros. Claro que não podia parar e continuei até a última música. Foi um agito geral quando terminou. Então chegou Marcelo. “Você mereceu as dez cervejas. Quer tomar agora?”. “Eu não. Está louco? Já tomei muita porradinha hoje”. Porradinha, a gente fazia com vodka ou cachaça, dependendo do bolso e do gosto de cada um, misturada com soda limonada, tampava o copo com a mão e batia forte na coxa. Fervia e a gente tomava. Quase sempre molhava a roupa e subia rápido para a cabeça. Um dia, Salvador, olhem o nome do cara. De Salvador não tinha nada, me disse que uma amiga dele comentou. “Esse seu amigo é doidão, hein? Ele fuma o quê?”. E ele: “Fuma nada não ( não mesmo, graças a Deus, nem cigarro). É doido de natureza”.
Estive meses atrás com Rita em Ipatinga, hoje já é senhora, mãe, gerente de uma perfumaria. Os olhos dela brilharam ao relembrar aqueles tempos, em que nos divertíamos sem dinheiro. Quando ia saindo, me perguntou. “E você, já tomou juízo? Respondi: “Procurei na farmácia pra tomar, mas não achei”. Ela balançou a cabeça: “As mesmas respostas enroladas”. Mas tomei juízo sim... aliás, eu já tinha, fazia mais era gracinha para ver as pessoas rirem. Eu gostava um pouco de ser estrela. Por isso me concentrei tanto para viver... o meu inesquecível dia de ELVIS.
Marcelo está muito bem hoje na Austrália. De vez em quando me liga e a gente fica recordando algumas aprontações do bem que fazíamos... essa foi uma delas. Mandei um quadro com um poema meu "AQUELA RUA".Ele disse que está na parede e se sente dentro do poema, porque ele fala exatamente de nossa rua. Das pipas, das bolinhas de gude e dos sonhos.
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2 comentários:
Bons tempos que não voltam mais. Carlos, quando você conta que ia levar suas amigas em casa tarde da noite, e depois voltava sozinho pelas ruas desertas, e nunca lhe aconteceu nada, mostra como nossas cidades eram tranquilas. Eu me lembro que eu gostava demais de caminhar tarde da noite, vindo dos bailes e farras, a brisa da madrugada é algo prazeroso. Hoje seria uma temeridade andar pelas ruas na madrugada, logo, logo, seríamos assaltados. Falar destes tempos, lembrar dos amigos das brincadeiras sadias, das músicas da época,é como costuma dizer os mmais velhos: "Recordar é viver". Um abraço, Armando
É verdade.Tempos das escuderias, das brincadeiras, bailinhos...Ingenuidade e amizade verdadeira. Parabéns pelo texto. Gostei. Outro dia escrevi pra OCAA sobre o menino e a pipa rs...bjs
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