
Lá pelos meados dos anos 80, anos coloridos, cabeça a mil, coração também, cabelos enrolados, ideias também, tentando encontrar meu elo perdido, muito intenso em tudo, eu nem distinguia sábado de segunda-feira, para mim era tudo igual, eu trabalhava no aeroporto de Ipatinga, e era a única coisa que levava a sério. Resolvi ser inconstante com a vida porque ela também havia sido comigo, acho que estava me vingando um pouco de tudo... mas, nunca deixei de ser poeta, isso é da essência, e tenho certeza de que foi isso que me sustentou naquela confusa, difusa, doce e louca juventude. Por causa do serviço pesado, só trabalhavam rapazes, uma cidade industrial muito visitada por japoneses, a gente pegava aquelas malas pesadas, cheias de equipamentos, punha na balança, depois levava pro carrinho, saía puxando até os aviões que eram difíceis de lidar por serem de porte pequeno e médio, não havia máquinas carregadeiras como hoje, a aviação ainda era muito manual. E ainda abastecia os aviões, tudo sempre corrido, voos atrasados, era um sufoco, podia tirar a camisa e torcer, de tão suada. Um dia a empresa entendeu, com razão, que não ficava bem a gente atender passageiros com rosto suado, mãos sujas, e contratou uma moça chamada Vera. Passados uns dias, cheguei às 13h para trabalhar, e vi um vasinho com uma florzinha linda e cheirosa sobre o balcão. Fiquei por vários minutos olhando à média distância, fixado nela, até que me virei, e vi que Vera também me observava: “Gostou da florzinha, Carlos?”. “Gostei, claro. Linda! Vocês mulheres são incríveis. Estão sempre enfeitando os lugares , ajeitando as coisas, tornando o ambiente mais agradável, limpando, organizando”. Ela respondeu: “Isso é da mulher mesmo. Vocês homens, precisam de um toque feminino. Acho que Deus fez o homem, e pensou: Se eu deixar isso só na mão desse cara, isso aqui vai virar uma bagunça... e criou a mulher”. Ri muito disso até ela completar: “E eu estou achando muito bonito ver você, um homem contemplando uma flor” . Na salinha de dentro tudo organizadinho de forma estratégica e prática, pensei: “Passou uma mulher por aqui”. Sempre fui muito atento à grandeza das coisas simples, e busquei na memória; desde que era pequeno, via uma flor na janela da sala de aula ou na mesa da professora, os cadernos das meninas mais bonitos e arrumadinhos, minhas irmãs se arrumando, ficando bonitas, as amigas também, as namoradas sempre cuidando de mim... “ põe a camisa pra dentro que fica mais bonito ”... “ seu cabelo fica melhor assim ”... enfim, a mulher cuidando de tudo. Vera trabalhou lá pouco tempo, casou-se e foi embora. Um dia, ela disse uma coisa bem interessante: “Não é que eu não gostasse de poesia, apenas não me interessava tanto, também só estudando e trabalhando, mas passei a gostar por sua causa. Agora eu gosto muito de poesia”. Dizem que vai ser lançado um filme, e eu quero ver, chamado O QUE SERIA DO PLANETA SEM AS MULHERES. Deve ser muito interessante. Eu não vejo a mulher como elemento para limpar o ambiente, vejo-a para embelezar o ambiente, e isso ela faz muito bem, ela está sempre cuidando. As mulheres são adornos de Deus para o mundo... assim como acho que os poetas também são, acho que é lei da compensação da natureza para abrandar a vida nessa terra.