
Esse texto está meio “Nelson Rodrigues”, não com a pretensão de ser igual a ele, até porque defendo a individualidade de cada um. Quis apenas fazer um texto com as mesmas características. Nelson Rodrigues entendia muito da alma feminina, seus anseios, suas fantasias sexuais, suas frustrações. Outros dois que são expert’s da alma feminina são Vinicíus de Moraes e Chico Buarque. Centrado principalmente em Nelson Rodrigues, escrevi esse texto, reconhecendo-me como eterno aprendiz da alma feminina.
Verdade ou lenda? Toda verdade tem um fundo de lenda. E toda lenda tem um fundo de verdade. Verdade e lenda são muito mais irmãs do que a gente pensa. A mitologia é a verdade projetada em outras dimensões, mas é preciso ter olhos de simplicidade para chegar à essas dimensões. Modéstia à parte, tenho chegado lá com facilidade, porque eu tenho poderes mágicos: a minha poesia. Eu fecho os olhos e tudo acontece. Vamos ao texto.
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Numa pequena cidade ao sul da Itália, nasceu “Bendita”, última filha de um casal de camponês, cujas quatro primeiras filhas morreram ainda crianças, e por isso o nome da última ser Bendita, em alusão à Virgem Maria. “Essa não vai morrer. Essa menina é diferente”, disse o pai. Realmente a menina cresceu em graça, não tão formosa fisicamente, mas tinha uma aura em torno de si, como se o nome Bendita tivesse lhe caído bem. “Parece um santa”, diziam. Já adulta só usava vestidos longos, decote jamais, maquiagem sempre muito simples, só o básico... quando usava. Cada vez mais parecia uma santa. Nas missas, ficava o tempo todo de joelhos, e no dia a dia quando sabia que havia pecado, penitenciava-se em casa ajoelhando sobre caroços de milho. “Devia virar freira. Ela já parece uma”, comentavam. Vivia do trabalho para casa e da casa para o trabalho. E pelos pais. Aos poucos amigos era boa conselheira, prestativa e acolhedora. Era conhecida como a benfazeja do vilarejo. Homem? Nunca foi vista com homem, não teve namorado. “É a única virgem dessa cidade”, era o burburinho das esquinas quando ela passava, reta, cabisbaixa, cumprimentando discretamente a todos, às vezes com um breve sorriso, às vezes com um aceno de mão. Mas Bendita tinha um segredo. Ah... toda mulher tem um segredo. Como alguém me disse uma vez, “ninguém abre totalmente o coração, sempre há uma cortina escondendo algo”. E uma mulher é um poço de segredos. Mas qual era o grande mistério de bendita? Ela desaparecia por quatro ou cinco dias alegando motivos de trabalho, que precisava visitar os grotões para atender comunidades carentes, nesses dias ninguém tinha notícias suas. Quando voltava, se perguntavam como foram os trabalhos, respondia. “Foi uma maravilha. Não podia ter sido melhor.”. Pablo, um historiador, o homem mais inteligente da pequena cidade , de percepção aguçada, sentia que debaixo daquela aura havia um grande mistério, e resolveu segui-la no dia a dia. E Pablo descobriu. Bendita tinha grande tara por homens casados. Tinha um em cada lugar. Quando terminava o namoro com um, punha logo outro no lugar, era rápida. E assim ficou anos... uma santa em sua cidade, mas uma diabinha nas camas redondas nas cidades vizinhas. Sim, no quarto ela não tinha nada de donzela, ou de freira, ou de santa. Transformava-se, era completa na cama, ou melhor, completamente louca na cama, fazia de tudo. Graças a Pablo que a seguiu, Bendita não foi linchada pelas mulheres traídas num vilarejo, que queriam matá-la à pedradas. Pablo interveio rapidamente, jogou-a na carroceria do carro e fugiu perseguido por um bando de mulheres revoltadas que acabaram ficando para trás, engolidas pela poeira. Na estrada, limpando as poucas feridas em seus braços e rosto, Pablo ouviu. “Por favor, não conte isso a ninguém. Deixe-me morrer com meu segredo, meus pais não suportariam se isso viesse à tona”. Pablo prometeu e nunca contou a ninguém, o historiador teve que se calar. Bendita? Nunca mais quis saber de homem algum, principalmente casados. Morreu verdadeiramente como donzela... sozinha e velha, debruçada na janela esperando o tempo passar.
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Esse foi o meu momento Nelson Rodrigues. Espero que tenham gostado.