

(imagem macilioliveira.wordpress.com)
Tentei não falar de Michael Jackson. Tudo sobre ele já foi falado. Muitas perguntas, poucas respostas e uma certeza: morreu o grande astro do mundo. Mas a coincidência me fez escrever. Não para falar do astro, mas do menino Michael Jackson. Sim, eu sempre o achei, meigo, doce. As controvérsias e excentricidades são próprias das grandes estrelas e o fã e a imprensa principalmente, não entendem e não respeitam isso. Achei interessante e diferente de tudo, uma entrevista de um médico psiquiatra falando da Síndrome de Peter Pan, ou seja, adultos que se recusam a crescer. E disse que isso é perigoso. Pode até ser, mas no meu caso sei que conduzo bem essa vida dúbia. Sabemos que Michael teve uma infância difícil, de carência afetiva e violenta. O pai batia severamente com fios elétricos, mangueiras grossas e tudo mais, para que dançassem certo. Os pais projetam nos filhos o que eles não conseguiram ser. Descontam neles suas frustrações. Isso sim, é muito perigoso.
Quem acompanha meu blog desde o início, sabe que falei tempo todo nos poemas e textos que me sinto um Peter Pan. Guardando as devidas proporções, acabei fazendo um paralelo. Todos viram minha ligação com temas infantis, falando além do menino Peter Pan, também de Monteiro Lobato, do Pateta, de estórias em quadrinhos, de super-heróis. Não muito diferente do grande astro, tive infância difícil, privado de muitas coisas, mas aí está a diferença: sem violência. Ah, como a violência pesa numa infância. Eu já tinha cabecinha boa e entendia as dificuldades. Ao contrário do já pequeno grande astro que já tinha agenda lotada, tive oportunidade de buscar minha infância. Eu mesmo fui fazê-la. Era um menino brincalhão, feliz. Peralta não muito, evitava levar mais problemas para dentro de casa. Jogava bola até dez da noite. Não era nenhum craque, mas todos queriam jogar do meu lado. Não era nota dez, mas as professoras me amavam. Era agregador. Não deixava amiguinhos brigarem. Sempre preservei a vida. Jamais matei um passarinho. Tentava convencer os amiguinhos a não fazerem aquilo. Um dia, achei um estilingue e quebrei: “Esse não mata mais ninguém”. Gostava de escrever meu nome nas árvores com canivete. Quando a professora disse que as plantas sentem dor como a gente, nunca mais escrevi. Certa vez vigiei por muitos dias, numa árvore dentro da escola, um casulo, e pedia encarecidamente que não destruíssem. Todos os dias antes de entrar para a sala, eu ia ver se estava lá. Até que num belo dia, durante o recreio, um amiguinho veio ofegante. “Corre, Carlos, corre. Sua borboleta nasceu”.Engraçado...minha borboleta.. Corremos e lá estava ela, ainda pousada sobre a casca do casulo. Azul cheia de bolinhas cinzas.Virei-me e vi uns quinze meninos atrás de mim. Quando ela voou, todos gritaram: “Êêêêêêê”.
Já passei dos quarenta e as pessoas ainda me tratam como menino. Ainda me chamam de Carlinhos, de Cal, de menino feliz. Confesso que gosto. Ainda falam comigo com cuidado. Ainda ouço as mesmas frases da infância. “Você é um menino diferente”. “O Carlos que é feliz, conserva sua meninice”. “Você nunca tem problemas?”. “Você não ri muito, mas está sempre com carinha boa”. “Quem não gostar do Carlos, não gosta de mais ninguém”. “Vou fazer uma festa lá em casa. Você é o primeiro da lista dos não parentes”. Mas eu não faço nada de especial para tudo isso. Só ando despreocupado, distraído. Se tenho inimigos não os conheço.. Não tenho espaço para mágoa, porque sei que ela só corrói quem a carrega. Ainda tenho medo de injeção e engasgo feito criança na mesa do dentista. Se durmo sozinho, deixo a luz acesa. Gosto de pegar em bebês. Ainda ajudo velhinhas a atravessarem a rua. Tudo isso, porque eu também não quis crescer muito. Nunca dei muita bola para a vida, esnobei-a um pouco, não levo muito a sério o mundo externo. A não ser meu trabalho, que preciso para comer e vestir. Ah, comer eu gosto mesmo... como uma criança. Me sujo todo comendo... como uma criança. Os meninos de minha rua me cumprimentam como se eu fosse um amiguinho deles. As pessoas exageram comigo. Não sou tão bom, nem tão feliz o tempo todo. Tenho momentos tristes e de raiva sim, porém só aqueles causados pela covardia, pela mentira, injustiça, injúria, mas para resolver isso a gente precisaria ter mais Peter Pan’s. Não se preocupe, Michael. Estou tentando fazer minha parte. Neverland não está tão vazia e acredito sim que um dia todos os sonhos serão possíveis, onde veremos pelo menos crianças mais felizes.