
Um dia um amigo me falou que não se importa com o que falam dele, mas em tempo corrigiu. “Não dou a mínima, é para pessoas do mal. Se uma pessoa do bem me der um conselho, uma sugestão, eu e dou muito valor. Eu não gosto é de hipócritas, gente cínica”. Eu também não.
Estávamos, ele, sua esposa e eu na frente de sua casa ouvindo umas músicas internacionais e umas mpb também, sempre fomos bem ecléticos, desde que dentro desse ecletismo tenha qualidade. Coisa ruim tem em todos os estilos.
Estava uma tarde bonita, sabadão, sol fraco. Numa dessas músicas, o refrão repetia muito a palavra sol, e esse amigo, de repente abriu os braços e começou a cantar olhando para o sol, acompanhando o disco. As pessoas que passavam e os vizinhos, começaram a rir dele. Ele parou por instantes e me disse. “Veja, Carlos que gente mais idiota. Aposto que estão dizendo que estou bêbado, sendo que tomamos só uma cerveja. As pessoas não podem ver a gente feliz. O que tem demais eu cantar? Vou voltar essa música quinhentas vezes e vou cantar até eles saírem das janelas”. Não foram quinhentas repetições, mas umas vinte foram. E ele cantava alto, tem voz forte e afinada, e é um exímio tocador de violão.
Quando tudo terminou, lembrei uma estorinha do Pateta, que eu sempre comparava com ele, pelo jeitão simplório e despreocupado do personagem. Um dia, Pateta, desligado que é, saiu às ruas com uma meia azul e outra vermelha. Por onde passava, as pessoas riam dele disfarçadamente, ou tentavam disfarçar. Sentindo-se incomodado ele subiu no banco da praça e fez um discurso mais ou menos assim: “Hoje por um mero descuido ou por estar sonolento, saí de meias trocadas, mas não deixei por isso, de ser eu mesmo. Tentei tomar um café na padaria, mas não pude... porque estou de meias trocadas. Tentei cumprimentar pessoas, fazer novos amigos, mas não pude... porque estou de meias trocadas”. Sempre enfatizando a expressão “meias trocadas”. E continuou, a praça foi ficando lotada “Estão rindo de mim por causa das meias trocadas, mas alguém se preocupou comigo, com minha pessoa? Se estou passando bem, se tenho algum problema? Como foi minha noite? Se preciso de algo? Alguém me deu bom dia? O que um par de meias pode alterar no valor de uma pessoa? Será que as pessoas que riram das minhas meias trocadas cuidam bem de suas vidas? Será que não há algo mais importante nessa sociedade do que umas simples meias trocadas?”. Falou mais algumas coisas e encerrou. “Vocês além de tudo estão mal informados. Não sabem que lá no país ............( citou um pais fictício), essa é a última moda? Pois sim. Lá eles usam uma meia de cada cor”. E retirou-se deixando uma platéia entre curiosa, boquiaberta e envergonhada.
No dia seguinte, Pateta levantou-se, agora atento, com muito cuidado calçou as meias certas, e saiu às ruas, e para seu espanto... o que viu?
Todas as pessoas estavam de meias trocadas, menos ele. Depois do susto, no último quadrinho, Pateta abriu os braços, com as mãos espalmadas, como quem diz: “Fazer o quê?”. Ou. “Será que estou errado de novo?”. Quando terminei, o amigo comentou. “É, Carlos. Você não existe. Sempre com suas tiradas. Filosofia em quadrinhos. Agora fiquei fã do Pateta. Eles eram hipócritas e continuaram hipócritas. Passaram a usar as meias trocadas só porque alguém disse que era bonito, que era moda sei lá onde. Sem personalidade, próprio mesmo dos hipócritas”. Não concordei muito e falei. “Sou otimista e penso que talvez eles deixaram de ser convencionais, deixaram de ser chatos”. Ele rebateu.”Vou discordar do meu amigão, coisa rara entre nós dois. Ainda fico com minha opinião. Eles são é idiotas mesmo. Mas isso também é um problema deles, não é? ”.