Maria Ferreira era uma senhora de uns sessenta anos já, mas
nem parecia, de tão doidona que era, andava muito rápido, saía para a rua de
qualquer jeito, descabelada, às vezes até descalça. Acho que não era muito certa
das ideias não, nós meninos a chamávamos de “Ferreirão”. Perto de Ipatinga,
afastado uns vinte quilômetros tem um lugar chamado Vale verde, hoje em dia já
está quase todo habitado, mas ela e seu marido foram uns dos primeiros a
comprarem lote lá. Ela queria fazer uma granja, criar porcos e galinhas, mas
como levar os bichos para lá se nem tinha carro, e no ônibus era proibido?
Tentou algumas vezes em horários diferentes embarcar com um porquinho, mas os
motoristas barravam. Um dia, ela enrolou o porquinho como um bebê e entrou no
ônibus, já logo dando “bom-dia”, cordialmente o motorista respondeu e arrancou
o ônibus. Bebês sempre chamam a atenção, todos querem ver, principalmente as
mulheres. Pediam. “Deixa eu ver, dona Maria, adoro neném”... “ai que fofinho
que ele é, tá gordinho, né? Tira o pano”. Ela respondeu: “Outro dia eu mostro,
tá dormindo, tá muito gripado, se acordar vai arrumar um berreiro maior do que
o motor desse carro”. “É de quem?”, alguém perguntou, ao que ela respondeu. “É
meu neto”. Teve uma que disse. “Não sabia que a Efigênia (filha
dela) tava grávida”. Ela respondeu impaciente. “É de outra filha,
que mora em ‘Belzonte’ que ‘ocê’ não conhece. Tá passando uns dias aí”. E
brigou: “Sai de cima, gente, por favor, vai acordar o menino”. A mulherada
acabou obedecendo. Porcos são sempre agitados, arredios, como ela conseguiu
fazer com que ele ficasse quietinho, enroladinho, ninguém sabe, mas parecia que
ele gostou do colo. Porém um porco é um porco, e certa hora ele fez ...
“óiiiinc”. O motorista desconfiou, olhou pelo retrovisor interno do ônibus,
abaixou o rádio e ficou na escuta. E mais uma vez... “óiiinc”. Ele gritou: “Não
é possível!”. Jogou o carro para o acostamento e foi lá: “Dona Maria, já falei
que não pode. Deixa eu ver isso”. Tirou o pano, o porquinho estava com uma cara
de safado olhando para ele, e os passageiros todos caindo na gargalhada. “Que
netinho lindo... que fofinho... cut cut cut”. No meio do impasse, um
engraçadinho brincou: “Vamos matar e dividir pra nós”. Ela gritou: “Mata
seu pai, aquele corno”. O motorista quase riu, mas precisava ser
enérgico. “A senhora vai ter que descer, animais no meio de passageiros não
pode, dá doença, eu até perco meu emprego se o fiscal pegar”. Ela implorou, mas
não teve jeito, ele não aceitou de jeito nenhum. Ela se levantou, pegou umas
sacolas, filho dela de apelido Lico se levantou também, e iam saindo quando o
pessoal começou a pedir: “Ô motorista, faz isso não. Deixa a dona seguir. Nós
não importamos não”... “Como ela vai ficar na beira da estrada, com um porco no
colo, criança, sacola? Além de tudo é perigoso”... “ o senhor é um
cristão, pense nisso”... “ninguém aqui vai denunciar nada. Faltam nem dez
minutos pra chegar”. Ele acabou amolecendo, mas avisou: “É a última vez. Toda
vez que a senhora embarcar eu vou querer olhar”. Ela agradeceu com um
“Deus te pague”. O restinho da viagem foi muito divertido. De fato, a
cada vez que ela ia embarcar, ele olhava as sacolas e os balaios dela. Um belo
dia, ele levantou o pano do balaio e estava cheio de verduras e hortaliças. Ele
ficou muito feliz, dessa vez eram para ele. Olhou para ela, riu e perguntou: “E
o porquinho, como vai?”. Com simplicidade de gente roceira e também com
espontaneidade, respondeu: “O porquinho tá lá, só engordando. Tá boniiiiito”.
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Esse caso foi contado no bairro pelo próprio Lico, filho dela que como nós, tinha uns treze anos
e a acompanhava para todo lado. Eu tinha que escrever isso um dia.
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( imagem olhar.net )