Já passei noites de terror piores do que a de ontem por falta de luz, mas a de ontem também merece ser contada. Nos fundos de minha casa existem apenas a área de serviço e depois muros bem altos de outras casas e pousadas, portanto é seguro, e eu gosto de deixar a porta e janela aberta para ventilar para evitar mofo. Porém ontem durante o dia choveu demais, como nunca tinha visto aqui. Quando cheguei às 18h, a casa estava totalmente alagada, quase levei um tombaço, pois tirei os sapatos do lado de fora, pisei na água descalço e se não fosse minha companheirinha bicicleta ergométrica para me segurar, teria caído. Engraçado foi meus pés escorregando e eu tentando me firmar nela. Fiz adominal sem querer rs rs. Aí comecei a conversar comigo mesmo, sempre faço isso, para relaxar, dá uma sensação de não estar sozinho... ainda mais no escuro. É meio terapia. “Puxa, logo na hora do Chaves? Bem, fazer o quê? Puxar com o rodo e enxugar”, mas mal comecei, acabou a luz. “E agora? Como puxar essa água toda sem luz?”. Eu tenho um problema sério com falta de luz. “Vou acender vela, claro. Quando a luz voltar eu puxo essa água”. Mas não tinha mais vela. “Vou lá comprar vela... ihhh mas tá chovendo. E daí, que tá chovendo? É só pegar minha sombrinha enfeitada”. Iluminando com o celular que toda hora vinha dizer “estou descarregando”, e eu dizendo “por favor, aguenta mais um pouco, só até eu achar minha sombrinha”... mas cadê a sombrinha? Eu não podia perder tempo, o comércio podia fechar, ia ter que encarar a chuva, e exatamente quando estava a caminho, ela veio torrencial, bem mais forte sobre minha cuquinha. Lá vai um beija-flor molhado para a mercearia, toda cheia de lâmpadas acesas, a luz só acabou no trecho onde moro. Não sei pra quê ainda de óculos, todo embaçado. Inventam até nave para Marte, mas não inventaram ainda um limpador de para-brisas para óculos. Perguntei: “Tem vela, aí?”. Um senhor que parecia ter tomado umas pingas e estava enchendo saco na porta, disse: “Vela pra quê? Hoje nem é sexta-feira pra fazer trabáio rararará”. Olhei pra ele e pensei: “Vê se isso é hora de piada de mau gosto, véi”. Comprei as velas, e aí tive que usar meus dotes de beija-flor; a velocidade... que não é a mesma de quando era pequeno e ouvia as pessoas dizerem: ‘Esse menino não para, parece um beija-flor’... mas deu para correr. Cheguei. “Agora é só acender uma velinha bonitinha e esperar a luz chegar”. Quando fui lá fora, o isqueiro em cima do fogão estava molhado e não acendeu. “Ai, meu Deus. Lá vou eu de novo buscar isqueiro”. Correndo de novo na rua escura porque podia mesmo fechar a mercearia. Pisei num negócio esquisito, mas felizmente era barro rs rs. Quando cheguei, a moça do caixa ficou quase rindo ao me ver naquele estado. Ofegante pedi um isqueiro, paguei e parei na porta da mercearia: “Agora não vou correr mais. Molhado já estou, vou é curtir essa chuva”. Cheguei, e para puxar melhor a água, acendi uma vela em cada cômodo da casa, ficou parecendo um cemitério rs rs... “Creio em Deus Pai”. Puxei a água do jeito que deu, estava cansado. “Ihhh tenho que tomar banho ainda... banho? Que banho? Mais do que já tomei?”. Nem fome me deu, comi uma maçã, um banana, um copo de leite, fiquei sentado esperando até umas 22h se a luz voltava. Mas a boa surpresa foi que uma esperança, aquele bichinho verde que está em casa há vários dias apareceu me dizendo: “Você não está sozinho”. De coração, eu falei assim para ela com gratidão: “Você está aí, amiguinha? Puxa, deixo a porta e janela aberta e você não vai embora”. Fiz minha oração e fui deitar. Quase meia-noite voltou a luz, eu estava deitado, ainda acordado: “Graças a Deus”. Fiz meu shake, tomei meu banho, e quis olhar lá fora. Quando abri a porta, uma pererequinha simpática, bem na entrada: “Oiiiiii.... posso entrar?”. Eu falei: “Não, não pode entrar. Seu lugar é junto com suas coleguinhas”. Fiquei pensando: “Era sapo ou perereca? Não é possível que nessa idade eu não saiba identificar uma perereca.
Era perereca, tenho certeza”. Ninguém pode dizer que não entendo de perereca. Estava tão bom com a luz de volta que fui dormir bem tarde. Eu e a esperança.