Eu era um bom
vendedor de picolés. Antes de contar a história principal, vou contar
uma outra curtinha que faz parte dela. O dono da sorveteria pagava a nós
meninos, 15% de comissão pelas vendas. Certa vez estava tanto estava tanto
calor, eu estava com uma sede danada, sentei debaixo de uma árvore, peguei dentro
do bornalzinho pendurado no ombro, a calculadora que ele dava pra gente
carregar, fiz o cálculo de quanto eu
ganharia, e chupei os meu 15%. Chegando lá ele riu, mas deu bronca:
“Você não pode chupar a sua parte, sua mãe vai pensar que eu não
lhe paguei” . Respondi: “Ah, eu tava com uma sede doida... mas não vou fazer
mais não”. Aproximava-se o dia das crianças, e ele resolveu premiar com uma
bola de futebol oficial, o menino que vendesse mais picolés num determinado
período. Fiquei um pouco desanimado porque eu era bom vendedor, mas tinha um
menino que era imbatível, também não era para menos, vendia o dia todo, acho
que não estudava, enquanto eu só podia depois das 13h. Isso me levou a abdicar de
brincar, até de jogar bola que eu adorava, mal comia e já ia vender. O futebol
amador na cidade era muito intenso,
ativo, tinha até campeonato, e num bairro bem próximo havia um estádio, não um
grande estádio, mas era bom, organizado, ficava sempre cheio nos domingos de
jogos, e a molecada vendia picolés lá, eu também. Houve um domingo em que passei numa
rua diferente, como atalho para chegar mais rápido. Lá havia uns 8 ou 10
rapazes, e um gritou: “Ô, picolé. Vem cá! Tem de quais sabores aí”. Falei os
sabores, ele pediu um, o outro também, o outro, enfim todos pegaram, foram
chupando, e em pouco tempo os picolés acabaram. O que havia chamado disse pro
outro. “Fulano, paga aí”. O amigo respondeu: “Eu??? Tenho dinheiro não. Você
mandou eu pegar, eu peguei”. Um outro: “Nem eu, e eu só chupei dois, nem
carteira eu trouxe”, disse levantando a camisa. E assim ficaram, um jogando pro
outro. O principal me disse: “É, menino. Você deu azar, ninguém tem dinheiro.
Volte aqui amanhã que lhe pago”. Comecei a fazer beicinho para chorar, um deles
ficou com dó: “Parem de enrolar o menino, paga logo aí”. Depois de rir um
bocado, o rapaz pagou, e disse: “Vá lá buscar mais que nós vamos querer”. Fui
até correndo, o dono admirou: “Já? Você saiu só tem meia hora e já vendeu tudo?
Desse jeito vai ganhar a bola”. Pedi para ele encher mais a caixa, mas ele não encheu:
“Não pode, vai prejudicar sua coluna, você é muito magrelo”. Eu era mesmo,
depois que eu fui ficando um “gordinho gostoso” rs rs. Voltei lá, chuparam tudo
rapidamente e ainda pediram mais uma caixa. Novamente o dono: “Que segredo é
esse de vender tão rápido?”. Só que eu não falei, com medo de os outros meninos
escutarem e invadirem “minha área”. Saindo da sorveteria passei numa padaria e
comprei dois sonhos e um suspiro. Eu
sempre comprava. Ainda faltavam mais uns
dias para a contabilização geral das vendas, e eu tive uma grande ideia, grande
mesmo, para um menino de 11 ou 12 anos;
passei a chupar meus 15% todo dia, mas colocava o dinheiro no lugar, como se eu
estivesse vendendo, só que vendendo para mim mesmo. Pensei: “Eu quero é a bola,
perco minha comissão, mas o importante é constar número maior de vendas, somar
pontos”. Conclusão: Passei o dia das crianças com uma bola novinha, branquinha
de gomos dourados, com os nomes dos jogadores da seleção. Os amiguinhos pensaram que ganhei de presente pelo
dia das crianças, deixei que pensassem assim, não queria que pensassem que
minha mãe não podia me dar uma bola,
isso nem era da conta de ninguém. O importante é que jogávamos até as 10h da noite
na Rua Vital Brasil, aquela rua... a minha rua.
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Pensando bem... Até hoje não sei porque essas guloseimas têm
esses nomes. Será que o sonho da padaria se chama sonho porque ele é doce? E
será que o suspiro da padaria se chama suspiro porque ele demora pouquinho na
boca da gente, deixando um gostinho de quero mais? Deixa pra lá.
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( imagem fotolia.com )
6 comentários:
Delicioso texto...
Votos de uma maravilhoso Domingo.
Beijo
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Ah, que linda sua história, amei ler amigo Carlos, essas coisas de nossa infância não morre jamais, faz parte do nosso ser, eu amo poder recordar e escrever sobre essas recordações!
Têm poetas que não admitem que escrevem suas próprias experiências, dizem que são inspirações e sensibilidades que captam por terem nascido para isso,não discuto isso, mas eu sempre escrevo o que sinto, o que sei, o que penso, bem assim como fizestes aqui com esse lindo momento de sua infância!
Abraços meu amigo poeta sensível e muito querido!
É isso aí Carlos! A inteligência sempre chega na frente. O pulo do gato não se ensina.
Abraços,
Furtado.
Recordar é viver.
Um doce de texto e você era um menino bem esperto.
Abraço fraterno
Que história linda. E muito bem contada.
Fiquei fazendo torcida pra que o menino
vendesse mais. he he he!
Um grande abraço!
Perdão por minhas ausências, mas prometo melhorar.
Essas histórias da infância são as melhores!
As vezes são tristes, as vezes alegres, mas sempre lúdicas, o que é bom!
Tenha um lindo final de semana!
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