ESCREVER É DIVINO!
CAMINHOS DE UM POETA
quinta-feira, 1 de março de 2012
O DIA EM QUE FUI CONDENADO
De onde estava, pude ouvir rumores de uma pequena multidão. Pareciam esperar alguma espécie de comemoração, estavam alvoroçados. De sandálias franciscanas pude sentir o chão molhado. O lugar fedia. Eu tinha os olhos vendados, as mãos amarradas para trás. Tentei ouvir alguém próximo de mim, mas estava só. Com o corpo fui tentando descobrir onde estava. Pelo pouco espaço disponível senti que o cubículo parecia uma cela. Fui encostando, me esfregando sem camisa e pude sentir paredes ásperas, mal acabadas, até que esbarrei em barras de ferro. Sim, era um cela. Mas o que eu fazia ali? O que eu teria feito que não me lembrava? Gritei várias vezes: “Tem alguém aí?. Socorro! Por favor, alguém pode dizer por que estou aqui?”. Nada. Só o eco respondia por aqueles corredores. Agachei-me, tive vontade de chorar. Levantei. “Não, chorar não. Chorar é para momentos felizes, emocionantes”. Momentos difíceis é hora de lutar. Mas lutar contra quem ou o quê? Gritei ainda várias vezes sem resposta. Não sei o que incomodava mais. As amarras que doíam cada vez mais que tentava me livrar, a venda nos olhos ou a falta de alguém para me explicar o que eu fazia ali. Muitos minutos depois, ouvi passos firmes, pesados. Pareciam dois. Ouvi barulho metálico como se fossem armaduras medievais. Barulho de chave abrindo a porta. Um disse: “Vamos. Está na hora”. Tiraram-me a venda. Eram mesmo soldados medievais. Olhei em volta, ao fundo... à frente. Eu estava numa masmorra escura e fétida. E foram me levando, um de cada lado. Perguntei desesperado: “Para onde vão me levar? Por que estou aqui? O que fiz?” Sem resposta, eram treinados para não falarem com presos. Preso, eu? “Por quê? Por quê?”. Perguntava insistentemente. No trajeto por aquele grande corredor olhei outras celas, mas todas vazias, pelo menos pareciam, pois estavam escuras. Subimos uma pequena escada. Quando chegamos a um grande pátio, o sol me cegou. Com dificuldade fui abrindo os olhos. Os soldados, brutos, praticamente me arrastavam. Ainda pude ver na torre da igreja o relógio marcando 08:00h... sabe-se lá de que dia. Mas agora também não importava, pois vi que eu era um condenado. Eu ia morrer. Só não sabia por quê. A pequena multidão quando me viu apupou, deu vivas, gritos diversos e assobios. Me levaram por fora, por uma passarela separada por um alambrado, até o patíbulo. No centro dele, um mastro e uma corda... uma corda esperando um pescoço. Ou mais um. Numa velha cerca do lado direito, os abutres. Até os abutres sabiam do que ia acontecer. Tudo parecia combinado e já iam disputar cada pedaço de minha carne. Minhas mãos que tantas coisas boas escreveram. Meus olhos que tantas coisas lindas viram. Meu cérebro. Meu coração. Os soldados se afastaram. O carrasco, homem sinistro, vestindo roupas longas e negras, encapuzado, personificando a própria morte, se aproximou e disse com voz sombria: “Calma que vai dar tudo certo”. Certo pra quem? Para os que condenam? Um senhor de barbas longas, o chefe da execução, se aproximou também e disse: “Você pode fazer seu último pronunciamento, mas seja breve. Estamos atrasados”. Seus olhos frios me cortaram, me olhando de forma desprezível. Pediu silêncio com a mão à multidão presente e se afastou para o lado esquerdo. Pensei de novo em chorar. Chorar não. Não se deve chorar perante os inimigos. Deve-se chorar perante os amigos. Os amigos te abraçarão, os inimigos rirão.Respirei fundo. Então gritei bem alto, alto mesmo para me fazer ouvir para que pelo menos alguém da platéia pudesse me responder. “Vocês já me condenaram. Eu só queria saber o que foi que fiz?”. Silêncio total. Olhei para o lado esquerdo, o chefe acenou positivo com a cabeça para o carrasco. Ele colocou um capuz na minha cabeça. Fechei os olhos para receber o beijo da morte.
Quando senti a corda me roubando o ar e dobrando meu pescoço... ACORDEI! Que susto! Dei um pulo na cama. Reparei agora o relógio da parede, mas agora era do meu quarto. 08:00h também, mas na minha cama confortável. Tudo não passou de um pesadelo terrível. Minhas costas e rosto suados apesar do ventilador e da janela aberta. O sol me cegou de novo, mas agora era um sol amigo. Levantei-me, molhei os pulsos, o rosto, tomei água gelada e deitei-me um pouco de novo para que a respiração chegasse no lugar.
Tive esse pesadelo há muitos anos. Na verdade foi o prenúncio simbólico de uma condenaçao a que fui sujeito. Fui considerado 'culpado'. Felizmente teve a segunda parte. Jamais esqueci esse sonho ruim que também me levou a uma reflexão.
Quantas vezes condenamos as pessoas sem lhes dar ao menos um direito de explicação? Ou as condenamos por algo que também fazemos? Quantas vezes falamos mal de alguém que passa na rua? Quantas vezes não damos a alguém uma segunda chance e queremos para nós todas as chances possíveis? Às vezes gostamos de ser o chefe da execução e olhamos de forma desprezível a alguém angustiado que pede perdão. Às vezes, gostamos de ser o carrasco. Às vezes damos até a corda. E às vezes somos os abutres. As hienas que riem da desgraça alheia. É muito bom ser carrasco, mas péssimo ser condenado.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
17 comentários:
Ufa... ainda bem que não passou de um pesadelo, um texto bem reflexivo...
beijooo.
Que profundo texto. Olá meu beija flor poeta... Estou passando para te convidar para o 6º Pena de Ouro e conto com tua presença no meu Ostra da Poesia com uma das tuas belas poesias– te espero na Ilha. Um beijo enorme no coração.
Olá,Poeta!
Que bom vc estar de volta.
Ainda bem que era apenas um pesadelo.
Lá no fundo ,eles têm sempre um temor,algo que tememos ou que aconteceu(são todos simbólicos).
Vc escreve muito bem.Vivenciei cada palavra sua.
Espero que vc não tenha mais pesadelos,só sonhos bons.
um abraço
Maria da graça
Boa noite meu menino beija-flor!
Vim trazer meu néctar de amizade prá ti amigo querido...
Fascinante poder ter uma cabeça assim,cheia de adjetivos,e poder transmitir nas escritas,nos fazendo ler e nos tornarmos reflexivos com tamanha leitura...o bom que vc nos faz que é verdadeiro,e depois nos sentimos aliviados por ser ficção...
Na blogsfera temos um amigo que criou um blog novo só com rimas,a meu pedido e de uma amiga,pois amo rimas e como não tenho nenhum talento para rimar,pedir para ele fazer um,por isso te convido para uma visitinha,pois está no começinho e ainda estamos em festa de abertura...
Agradeço sua passagem por lá.
http://rimablogeutedouumaflor.blogspot.com/
Oi amigo! Que bom que recuperou seu blog, seus arquivos, viu foi a união positiva em rede, rsrsrs, bom mesmo. E este texto, um final bem tocante, muitas vezes somos abutres... Só ñ é bom ser carrasco o que muitas vezes somos. Um gd abraço. Ieda.
Um texto que nos faz , sem dúvida alguma, reflectir... mais e mais e mais... sobre as nossas atitudes, sobre a nossa forma de estar e ser com os outros.
Beijito.
Bem verdade Carlos!
Esquecemo-nos que temos telhados de vidro.
Sempre inteligente a tua escrita.
Beijinho
Oi Carlos!
Você não buscou saber o significado desse sonho,mas fez uma excelente reflexão sobre ele.
Às vezes, o nosso carrasco somos nós mesmos.
Bjs!
Carlos, que relato denso. Adorei!bjs
Oi Carlos, adorei o texto.
Ainda bem que era um pesadelo!
Tenha um ótimo final de semana, um abraço.
É preciso sempre se colocar no lugar do outro e tentar sentir as angústias e os fantasmas que muita vezes nos perseguem. Belo post, uma reflexão do sentido da vida. BJd
Vim beber o néctar do doce desse menino beija-flor!!!!!!!!!!!!!
Húmmmmmmmm!!!!!!!!!!!!!
Aparece querido...sinto uma falta de vc que nem imaginas...
Te ler é tudo de mel lambuzado...coisas de escritor viu...anda sempre torto nas escritas...mas são centralizados...
bjs de saudadessssssssssssssss
Amigo querido!!!!!
Hoje venho vestida de blogueira para pedir e desejar felicidade prá vc,prá mim,prá nossos amigos que fazem esse mundo acontecer,virar,mexer,remexer o mundo do bloguista...
FELIZ DIA DO BLOGUEIRO !!!!!!
Abç
Olá, lindo texto!! Gostei das postagens, então, vou ficando por aqui...
Tenha um ótima final de semana!
Beijinhos!♥
Olá Carlos, saudade daqui, rs, mas tempo este nosso regulador, rs, está célere e quando menos esperamos, já passou .... Bom domingo para você.
Carlos,que grande texto de suspense!Imaginei a situação e ainda bem que foi um sonho ruim!Pra pensar bem em nossas atitudes diante das pessoas!Tb já fui condenada e não ;e nada bom ser julgada,mas tb já devo ter julgado o que ainda posso consertar!Bjs e minha amizade sempre!
Oi Carlos,
passando prá te agradecer pelo carinho e te
fazer um pedido: Ore por mim! Pois estou atravessando um momento
delicado em minha vida. E sério, fui ao médico hoje e o cardiologista
constatou que eu tenho você no coração; O psicólogo disse que pensar em
vocé é bom, o fonoaudiólogo disse que falar e ouvir seu nome é ótimo! O
fisioterapeuta disse que caminhar em sua companhia é bom; mas tive um
alerta: disseram que ficar longe de você é péssimo prá minha saúde.. E
que sentir sua presença mesmo virtualmente, é o melhor remédio. E
receitou teu carinho de hora em hora, em uso contínuo. Por isso eu
dependo da sua amizade. Promete que vai cuidar da minha saúde? Promete?
Tenha uma ótima semana, bjus...
Postar um comentário