Como toda menina ela também gostava de bonecas. Como toda menina, ela
gostava de sandalinhas novas, de pentear os cabelos, de brincar de roda,
de passear, de comer chocolate, enfim, era uma menina quase normal.
Porém havia uma diferença; sonhava muito mais do que na frente do
espelho, ela gostava de ir para dentro do espelho, para além dele, e
então criou um mundo mágico só para si
que resolveu chamar de Terra do Sempre, pois acreditava que em algum
lugar todos os sonhos bons eram possíveis, um lugar de gente generosa e
feliz. E ela tinha uma parceira, só que não era uma parceira de sua
idade, era a própria mãe quem entendia suas inquietações. Ah, quantos
questionamentos! A mãe paciente ouvia: “Mãe, por que Pinocchio faz o
velho Gepetto sofrer tanto?”... “Por que Peter Pan é tão sonhador e só
vive na Terra do Nunca?”... “Que injustiça é essa, a Princesa adormecer
cem anos para encontrar o grande amor?”. “Por que as famílias de Romeu e
Julieta não fizeram as pazes deixando que eles vivessem juntos? Foi
necessário o ódio vencer para uma obra ficar tão famosa?”... “Por que
motivo alguém podia o tempo todo querer cortar o pé de laranja lima do
Zezé? E por que o Portuga morreu?”... “Eu queria um dia, mamãe, poder
mudar todos os finais dessas histórias”. A mãe respondeu olhando-a nos
olhos. “Um dia vai chegar alguém, tão inquieto quanto você e que vai
mudar tudo isso para você. Nesse mundo tão grande tenho certeza de que
em algum lugar existe alguém que pensa como você. Com o passar do tempo a
mãe se foi, como é natural, mas a menina não deixou de sonhar, embora
já em corpo adulto. Certa vez, nas esquinas da vida deu um encontrão
com um rapaz, jogando no chão um monte de escritos que ele carregava, e
depois de ajudá-lo a apanhar tudo, pediu desculpas, e daí houve uma
empatia tão grande que após se falarem alguns minutos, ela disse: “Não
sei por que, mas sinto que já lhe conheço... de algum lugar... de algum
tempo... de uma outra esfera”. Ele: “Engraçado, tive a mesma impressão.
Parece que lhe conheço há séculos, senti um elo, uma energia desde nossa
trombada rs rs”. Ela sorriu tímida. “Bem, eu sou uma sonhadora, e
acredito nessas coisas, nada a ver com religião, entende? Mas creio em
dimensões, eras passadas, esferas diferentes, mundos distintos, mágicos,
alternativos. Como é seu nome? O meu é Jana”. Ele respondeu: “Ora, ora.
Será que conheci hoje alguém que pensa como eu? Eu não só acredito em
tudo que você falou, como eu vivo em tudo que você falou, não gosto
muito do mundo real. Meu nome é Liam”. E ela: “Você tem nome de
príncipe. Não é uma grande coincidência?”. Ele sorriu. “E você tem nome
de fada”. Com jeito, ela disse. “Nunca reparei, mas que bom que viu
assim”. Ele lamentou. “Preciso ir agora... podemos nos ver amanhã? Aqui
mesmo, mesma hora? Quero saber mais desse seu mundo mágico que falou há
pouco, acho que temos ideias a trocar”. Ela gostou e apontou para a
praça. “Mesma hora naquele banco”. E saiu pulando mais do que Alice no
País das Maravilhas. No dia seguinte, ninguém chegou primeiro ou
atrasado, chegaram juntos. Um “olá”, um beijinho no rosto, sentaram-se e
começaram a se apresentar melhor para o outro. Estavam ali sentados num
banco real, numa praça real de uma cidade real, mas suas mentes e
palavras estavam num outro mundo, cada vez mais maravilhados com as
descobertas recíprocas. Só falaram de contos de fadas, de fantasias, de
esperança, de sintonia, ela citou todas as inquietações de quando era
criança, do seu desejo de mudar as histórias tristes, e foi então que
veio a surpresa maior, quando ele interrompeu. “Lembra daqueles papéis
que você derrubou ontem? Eram escritos meus, eu escrevo coisas”. Ela.
“Você é escritor?”. Ele respondeu quase triste: “Escritor? Não sei. Acho
que sou um fabricador de sonhos. Um alquimista das palavras que fica
tentando mudar o que não tem jeito... isso dói um pouco, mas eu não sei
viver diferente. Há quantos anos escrevo tudo isso e nunca encontrei
alguém que pensasse como eu. Pelo menos agora chegou você, o que me dá
um alento, pois vejo que nada foi inútil, hoje sei que após todos esses
anos encontrei uma empatia com o que penso e sonho”. Ela se emocionou.
“Meu Deus, como é lindo isso que você disse! Deixa eu levar seus
escritos para casa? Gostaria de ler”. Emocionado também, ele disse.
“Claro que pode! Agora preciso ir. Amanhã aqui mesmo na mesma hora?”.
“Sim!”, disse ela convicta. Já de bem de noite depois de terminar todos
os afazeres de casa, finalmente, foi ler os escritos do rapaz. Nos
textos, Pinocchio parou de aprontar, virou bom menino e cuidou da
velhice de Gepeetto. As famílias de Romeu e Julieta fizeram as pazes e
eles foram felizes para sempre. Ninguém conseguiu cortar o pé de laranja
lima do Zezé e o Portuga não morreu. O mundo de Peter Pan finalmente
virou Terra do Sempre. Não aguentou muito tempo sem chorar, pois
lembrou-se do que dissera sua mãe no passado longínquo. Foi até a
janela, mirou uma estrela afastada das demais, e disse. “Mãe, a senhora
como sempre acerta tudo. A pessoa que a senhora disse apareceu para
mudar as coisas, para me dar as respostas. A senhora disse com a sua
certeza que alguém em algum lugar pensava como eu. A senhora sabia, não
é?”. A estrela de repente emitiu um brilho maior como se estivesse
piscando para ela, dizendo “SIM, EU SABIA!”. Naquela noite ela não
dormiu, fez questão de não dormir, estava encantada demais...
apaixonada? Hum, talvez, só o tempo iria dizer. No outro dia na praça,
um abraço diferente, mais apertado, mais demorado. De mãos dadas,
sentaram-se e ela já foi dizendo. “Obrigada por me mostrar tudo isso,
por me proporcionar o mundo que eu sabia que existia, que havia dentro
de mim e eu não tinha com quem compartilhar. Hoje eu sei, a gente já se
conhecia sim. Eu no meu lugar, você no seu, mas as almas se comunicam
sem os corpos saberem, nós sempre estivemos juntos. A gente já se amava
e não sabia. Tínhamos e temos um amor pelo outro... um amor
diferente... que transcende qualquer razão. Ora, e o que é a razão? Onde
está a razão? A razão está naquilo que nos faz felizes. E você me faz
feliz, eu faço você feliz”. De voz embargada, ele só conseguiu dizer.
“Você além de tudo adivinha minhas palavras. Obrigado também por
completar a outra metade do meu mundo”. E beijaram-se longamente,
deram-se fisicamente um beijo que já se davam há muitos anos, muito
tempo antes de seus olhos se cruzarem, pois suas almas já cuidavam
disso. E foram felizes para sempre... na TERRA DO SEMPRE!
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imagem amordalves1258.wordpress.com)
Lindo texto, como sempre
ResponderExcluirFELIZ NATAL...REPLETO DE ALEGRIA
Beijos
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/