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spumanoquintal.wordpress.com )
Recebi uma visita inesperada há quatro dias. Até
aí tudo bem, receber uma visita inesperada acontece. O pior é que é que
até hoje ele não foi embora, e o “ mais pior” ( existe isso? acho que
não rs rs ) é que não é uma visita comum. Quem tem miopia vai entender o
que vou dizer; eu estava sem óculos, tinha acabado de tomar banho, e vi
uma mancha preta enorme no alto da parede, no canto. Quando estou sem
óculos, vejo tudo aumentado e distorcido, mas tive medo de colocá-los
para não constatar o que temia. Pensei que era uma aranha caranguejeira.
Pensei: “Tô morto!”. Apesar de que já me disseram que a caranguejeira
não é perigosa, mas eu não vou chegar pra ela e dizer: “Olá, dona
aranha, sua linda? Você é venenosa?”. Acabei pondo os óculos, era um
grilo do tamanho de um “dinossauro” rs rs, até fiquei na dúvida se era
mesmo um grilo por causa do tamanho. Ainda dei graças a Deus por não ser
uma barata. Bem, eu não gosto de matar, então pensei em abrir a porta e
tocar com a vassoura, mas e se ele viesse voando pro meu lado? Aí eu
ia sair voando para a rua primeiro que ele. Reparei que ele estava
quieto, menos mal, o pior é que toda hora tinha que passar debaixo dele
para ir à geladeira. Eu falava: “Fica quieto, aí cara. Podemos
sobreviver os dois aqui, sem crise. Vamos combinar, eu não mexo com você
nem você comigo”. Ele mexia as duzentas pernas e quatrocentas antenas
como se estivesse me entendendo. E na hora do banho? Se ele viesse eu ia
ter que sair correndo pelado rs rs... então fechei a porta do banheiro,
mesmo estando sozinho. Saí devagarinho para não ‘perturbar’ a visita, e
ele estava do mesmo jeitinho. Na hora de dormir, mesma coisa, tranquei
a porta do quarto, ainda bem que tem o ventilador. Antes de dormir
fiquei pensando: “O que será que eu tenho contra insetos e bichos? Ou
melhor, o que eles têm contra mim?... porque são eles que me perseguem,
eu fujo deles. Já dormi sem banho porque tinha uma barata no banheiro,
acordei de madrugada, andando pé-ante-pé, como se eu fosse o estranho e
ela a dona da casa, ao ver que já não estava, tomei banho de três
minutos e deitei de novo. Certa vez travei uma ‘luta’ terrível com um
rato de madrugada... e fui a nocaute. Eu correndo prum lado, em vez de
ele correr pro outro, corria para o mesmo lado que eu, e aí, frente a
frente, ficamos nos esquivando, eu pulando nas pontas dos pés como
macaco. Até que certa hora, talvez se sentindo acuado, correu mesmo de
frente para mim, eu dei um pulo tão alto que caí de cara no chão.
Voltando ao grilo, acordei no outro dia, do mesmo jeito, devagarinho e
sem barulho, para não mexer com o dito cujo. E lá estava, se ele se
mexeu foi muito pouco. Fui trabalhar, mas deixei a porta dos fundos
aberta, que é segura, dá para os fundos de uma pousada de uns quatro
metros de altura, sem perigo. E falei para ele: “Estou deixando a porta
aberta para você ir embora, viu? Sinto muito, mas aqui só cabe um, eu já
moro aqui”. Voltei no final do dia, como sempre entrando devagar, mas
esperançoso de que ele tivesse ido. Que nada, estava na mesma posição.
Fui logo perguntando: “Você é doido? Tem casa não? Não come, não bebe
água? Tá aí desde ontem. Deixei a porta aberta pra você ir”. E assim,
mais uma noite. Acordei de manhã, peguei duas bananas da terra em cima
da geladeira para cozinhar e tomar com café, e vi que uma, mesmo com a
casca ainda durinha, tinha dois furinhos, tipo escavados, como as
máquinas fazem na terra. Ainda bem que eu olhei, não é? Olhei pra cima:
“Então é por isso que você não saiu, né cara? Comidinha de graça até eu
gosto. Pôxa, isso já tá passando da conta”. Engraçado, dessa vez ele não
se mexeu, deve ter ficado com vergonha. Evidentemente joguei as bananas
fora. E assim, mais uma noite com porta do quarto fechada. De
madrugada, comecei a sonhar, ouvindo uma música agradável, não pude
distinguir na hora que tipo de instrumento, às vezes parecia flauta, às
vezes violino, sei lá o quê, só sei que era uma música tocada rápida.
Abri os olhos, me localizei no quarto, na cama, e pude distinguir: não
era flauta, nem violino, nem ‘sei lá o quê’... era o grilão cantando na
maior empolgação. Levantei devagar, abri a porta, e ele parou. Mas não
estava na parede, estava escondido, eu falei olhando para os lados,
procurando: “Agora que já me acordou, você para? Vai, canta até estourar
‘fi duma égua’ rs rs”. Dormi pouco, era só eu fechar a porta, ele
começava, eu abria e ele parava. De manhã, antes de ir trabalhar, ele
não apareceu, o folgado devia estar tirando uma soneca, aí tive uma
ideia: “Vou jogar inseticida em todos os cômodos, deixo a porta aberta,
ele vai se sentir incomodado e vai embora”. Cheguei do trabalho à noite,
e lá estava ele, no seu lugar preferido, no alto, no canto da parede,
parece que é resistente ao inseticida. E lá fui eu de novo, dormir ao
som de um grilo na cuca.